Dinheiro não é tudo.
A historiografia marxista acredita no materialismo, ou seja, as motivações das pessoas decorrem pura e exclusivamente das condições econômicas da realidade. Esta visão influencia a forma como a história é contada e reduz tudo e todos apenas a serem egoístas movidas por sua ambição. Só que isso não é verdade. Pense nas seguintes perguntas. Você fez algo sem ser remunerado? Você teve satisfação em uma experiência mística? Você priorizou a família em detrimento da carreira?
O documentário “Brasil: a Última Cruzada” contém uma interessante perspectiva sobre a formação do país.
Provocador, o documentário “Brasil: a Última Cruzada” pode ser considerado uma ruptura na forma como se conta a história do Brasil: em vez de criticar a formação do país, buscou mostrar como foram construídos os referenciais da nação brasileira.
Produzido pelo Brasil Paralelo, o documentário consiste de uma série de entrevistas e análises de historiadores, as quais gradualmente fornecem uma visão diferente do que é ensinado nas escolas.
Os 6 episódios são:
- A Cruz e a Espada;
- A Vila Rica;
- Independência ou Morte;
- A Guilhotina da Igualdade;
- O Último Reinado;
- Era Vargas: O Crepúsculo de um Ídolo.
Ao se pesquisar a quantidade de trabalhos críticos produzidos na academia brasileira, percebe-se que a nova visão gerou um desconforto entre aqueles que detinham o monopólio das narrativas sobre a formação do Brasil. Por isso, já atingiu o mérito a que se propunha.
Ao assistir o documentário, é fácil compreender as referências narrativas implícitas, desde que o espectador tenha conhecimento básico de história brasileira e mundial.
O que foram as cruzadas?
As cruzadas foram uma série de expedições militares, movidas pela Cristandade Ocidental entre os séculos XI e XIII, objetivando libertar a Terra Santa, tomada pelos árabes muçulmanos do Império Bizantino.
Houve uma intensa mobilização entre a nobreza europeia, que levou à constituição de várias ordens cruzadistas com a finalidade de proteger os fiéis em suas peregrinações à Terra Santa. As três principais ordens criadas foram a Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos e a Ordem dos Templários.
Apesar dos esforços europeus, os muçulmanos reconquistaram definitivamente a Terra Santa no século XIII.
O que aconteceu com as ordens cruzadistas?
A derrota nas cruzadas não significou a total desmobilização militar da nobreza europeia. Pelo contrário, as ordens militares criadas persistiram até muito depois do fim das cruzadas.
A Ordem dos Cavaleiros Hospitalários se instalou em Malta e sobreviveu até a conquista da ilha por Napoleão Bonaparte em 1798. A Ordem dos Cavaleiros Teutônicos se manteve até 1810, dissolvendo-se também por conta das guerras napoleônicas.
Já a Ordem dos Templários foi destruída na França em 1307 na fatídica sexta-feira 13 de outubro foi dissolvida oficialmente pelo Papa Clemente V em 1312. Este poderia ser o final da linha, mas algo diferente ocorreu com a Ordem dos Templários.
O que Portugal tem a ver com as cruzadas?
Num sentido mais amplo, a Guerra de Reconquista da Península Ibérica aos muçulmanos também foi considerada uma cruzada. Ainda que não visasse a liberação da Terra Santa, a guerra na Península Ibérica era travada contra os muçulmanos.
Portugal conquistou todo seu território atual aos muçulmanos em 1249, quando normalmente se considera que a Guerra de Reconquista se encerra e o país adquire aproximada as fronteiras atuais no final do século XIII.
Como Portugal foi o primeiro país europeu em que a Ordem dos Templários se estabeleceu em 1128, apenas 9 anos depois de sua criação em Jerusalém. Por esse motivo, os templários desempenharam um importante papel na conquista do Algarve e ainda tinham atividades militares contra os muçulmanos quando foram dissolvidos em 1312.
Dom Diniz de Portugal, o Lavrador (Lisboa, 09/10/1261 – Santarém, 07/01/1325), reconhecia o papel dos Cavaleiros Templários e, para acolher os antigos membros, criou a Christi Militia em 1217. Dois anos depois, Dom Diniz obtinha a aprovação do Papa João XXIII por meio da bula Ad ea ex quibus para a sua recém-criada ordem. Em 1323, Dom Diniz foi autorizado por outra bula papal a entregar os bens da Ordem dos Templários à Christi Militia.
Os sobreviventes da Ordem dos Templários buscaram refúgio em Portugal, possivelmente trazendo seus tesouros e conhecimento ao jovem reino. O espírito cruzadista continuaria nas campanhas no norte africano empreendidas até o século XVI.
Por que o Brasil seria a última cruzada?
Tradicionalmente, a historiografia não cita a formação do Brasil como sendo uma cruzada. Por isso, o documentário usa da liberdade criativa para identificar uma relação direta entre o movimento cruzadista e a formação do Brasil. Certamente, a relação pode ser criticada, mas faz certo sentido do ponto de vista de continuidade histórico.
Quais fatores justificam esta relação?
- Existe um nexo causal entre a Christi Militia e a expansão marítima portuguesa. Os recursos e conhecimento trazidos pelos sobreviventes do expurgo da Ordem dos Templários provavelmente influenciou positivamente as capacidades de navegação de Portugal.
- Embora muitos historiadores tentem explicar as cruzadas apenas com base em interesses econômicos, esta visão ignora que a grande maioria foi, sinceramente, movida pela fé – isso certamente era verdade entre os membros da Ordem dos Templários. Tal espírito persistiu na Christi Militia, pois a religiosidade era uma constante desta época.
- Igualmente, as navegações portuguesas não podem ser explicadas apenas e tão somente a partir do interesse econômico. Havia implícito um desejo de encontrar o Reino de João Prestes no Oriente e de obter mais fiéis para o cristianismo. A chegada ao Brasil seria um passo neste projeto.
Para concluir, talvez não exista prova maior do que as bandeiras nas caravelas de Cabral levavam o símbolo da Christi Militia, Basta compará-la aos símbolos associados aos cavaleiros templários.